A GAZETA DE ALGOL

"O morto do necrotério Guaron ressuscitou! Que medo!"

Ferramentas do usuário

Ferramentas do site


fanworks:alem_de_algol:historias:recepcao_fria:recepcao_fria_002

Recepção Fria — Parte II

Autora: Neilast
Tradutor: Bruno Cubiaco

Havia um morro coroado por uma velha árvore perto dos laboratórios. Dahl gostava ir até lá e pensar, quando precisava espairecer, normalmente fazendo-o como o primeiro ato da manhã. Ela estava recostada em uma árvore, olhando o sol conhecido como Algo nascer no extremo horizonte leste de Palma II. Ela podia escutar as ondas quebrando na praia que estava atrás dela, no sopé do morro. As últimas estrelas teimosas da manhã perdiam seu brilho. A cinzenta Dezo brilhou e então sumiu. A verdejante Mota ficou no céu até que o sol passou pela linha do chão, e então, também desapareceu.

Alguns metros a frente, Dahl pôde ouvir o zumbido do transtubo que Erol Grant usou para chegar à superfície. Dahl sorriu e acenou quando ela o viu. Erol acenou e sorriu de volta e então subiu o morro, onde se sentou ao lado de Dahl, debaixo da árvore que lhes era especial.

“Bom dia,” ele disse.

“Bom dia,” ela respondeu, pondo a mão em seu joelho. “O que há?”

“Oh, nada,” ele disse com um bocejo. “Eu apenas queria subir aqui e te ver antes de toda loucura começar.”

Dahl fechou seus olhos. “Eu acho que é hora de tirarmos aquelas férias que estávamos planejando.”

Erol riu. “Parece uma boa idéia. Eu amo o trabalho, é claro, mas eu apenas estou… eu estou exausto.”

“Eu também. Azur pode dar conta de tudo por um mês ou dois enquanto estivermos fora. Além do mais, Mium pode ajudá-la.”

Dahl pensou por um momento e então disse, “Eu acho que gostaria de ir o mais longe possível deste lugar. Por mais que eu o ame, e o ache lindo, eu estou muito enjoado de Palma II. E esquiar e nadar não parecem boa idéia neste momento também. Interagir com a natureza… ugh. Me faz pensar que toda essa coisa da formação de Palma tomou completamente nossas vidas.”

“Bem,” Erol disse com um sorriso, “Me parece que o lugar mais longe desta terra ensolarada de leite e plástico seria… Zelan! O você acha, Dahl? Não seria legal zoar pelos corredores de metal de Zelan? Muito melhor do que esquiar e nadar, certo?” Erol esperou, supondo que Dahl lhe desse um soco no braço e o mandasse parar de agir como um idiota. Mas ao invés disso, ela parecia na verdade estar pensando na idéia. “Dahl…?”

“Erol.”

“O que?”

“Eu acho que nossas férias terão de esperar um pouco mais.”

Erol se abateu de repente. “O que? Mas por quê?”

“O que você disse me fez pensar um pouco.”

“Sobre o quê?” Erol fez a pergunta com cuidado. O humor de Dahl havia mudado de repente, e para pior. Ela havia passado de uma espécie de resignação preocupada para algo muito mais sombrio.

“Sobre mim. Sobre quem eu sou.” Ela se levantou. “Eu acho que irei a Zelan.”

“Como a nossa conversa sobre passar um tempo fora chegou a esse ponto?”

“Não é isso. Foi quando você mencionou Zelan. Eu venho querendo conversar com Wren a semanas. Eu tenho muitas perguntas que nunca me incomodei em fazer. Eu estava tão brava com ele que até mesmo minha curiosidade não me faria contatá-lo. Mas agora que as coisas se acalmaram um pouco… eu preciso ir.” Dahl desceu o morro em direção ao transtubo que levava de volta aos laboratórios.

Erol se levantou e então correu para alcançá-la. “Dahl, você está agindo de maneira estranha,” ele disse. “Você está bem?”

“Olhe, existe algo que preciso resolver.” ela disse. “Eu não posso ser incomodada com outras coisas no momento. Isso é muito importante.”

“Oh, que bom,” Erol disse, franzindo as sobrancelhas profundamente. “Lembre-me de deixar minha boca estúpida fechada! Eu vim aqui pra te alegrar, não pra te mandar numa cruzada do mal-humor!”

Dahl parou, virou-se, e beijou Erol suavemente na bochecha. “Você é tão gentil,” ela disse. “E para dizer a verdade… Eu gostaria que você fosse a Zelan comigo.”

Erol balançou sua cabeça. “O que? Por quê?”

Dahl entrou no transtubo e chamou Erol com a mão para que ele ficasse ao lado dela. “Deixe me conversar com Wren agora. Eu te conto como foi depois do almoço.”

* * *

Foi uma longa espera, seis mil anos. E não foram meros seis mil anos de ociosidade; não, foram seis mil anos de aprisionamento. No fim, foi por minha própria culpa. O grito que soltei quando a maldita espada de N'gan
partiu minha forma física em duas causou um deslizamento, e eu fui enterrado sob toneladas de rocha e gelo. Naquele estado eu não apenas não podia reconstruir meus exércitos e destruir o pleneta de gelo, como meu Senhor Negro havia me ordenado, mas também não podia me mover. Não podia eu também gritar, pois as pedras haviam me estrangulado, haviam enchido meu corpo maligno como águas que enchem um oceano. Em minha mente clamei pela ajuda de meu mestre Sombrio. Mas não, nenhuma ajuda veio. Talvez fosse minha punição por tão repentina e terrível falha.

Estranho. Eu tive um sentimento de doce vingança quando senti meu mestre Sombrio gritar e encolher até virar um nada. Eu pensei que a morte da Escuridão Profunda significaria também a minha própria libertação. Eu esperei e esperei pelo fim da minha existência. Eras pareciam se passar. Nada veio. O confinamento continuava. E neste doentio, sufocante confinamento eu planejava minha vingança. Sessenta séculos eu permaneci meditando, e mesmo assim, eu não consegui me decidir sobre um plano. O que eu faria depois?

A pequena criatura, o “robô”, explicou muito a mim. Ela falou bastante sobre esta coisa chamada “tecnologia”, e como ela havia substituído a mágica. Ela parece pensar que isso é bom. Eu não sei como os vermes de Algol prosperaram, mas é claro para mim que esse poder não mágico não fará frente a minha própria mágica. Minha mágica diminuiu quando meu mestre caiu, mas ainda assim é poderosa para os padrões humanos. E quanto a essa tecnologia… Eu posso muito bem usá-la para o meu próprio proveito…

O pequeno robô falou sobre como a tecnologia pode reparar meu corpo. Ela pode repor o que eu perdi. Ela fala que um novo braço, até mesmo pernas, podem ser feitas a partir de metal que uma vez eram usados para a forja de espadas e lâminas de machados. Mas haverá tempo para isso; Primeiro, ela precisa me fazer um olho.

Mas qual é o mundo para o qual olharei quando puder ver? Todos os meus irmãos, meu mestre, minha própria dimensão, tudo engolido pelo nada. A guerra terminou a muito tempo, e a Luz ganhara.

Então o que é esse sentimento incessante que eu tenho no fundo de minha mente? Eu posso sentir uma presença, um espírito familiar, que ronda em algum lugar próximo. Sim, é verdade! Outro assecla da Escuridão ainda ronda em algum lugar de Algol! Seria um Dark Force assim como eu? Parece-me que não. É um ser menor, o que quer que seja. Algo pequeno, de poder roubado por uma derrota a tempos atrás, deixado vivo por acaso e por muita sorte. Entretanto, ainda existente. Talvez eu não esteja sozinho no universo, afinal.

E talvez a guerra não esteja tão terminada assim quanto eu pensei.

* * *

Dark Force saíra de seu devaneio quando o metal gelado que havia sido posto sobre seu olho direito repentinamente tornara-se muito quente.

“O que fizeste?” ele perguntou a Betty calmamente.

“O dano causado a área ao redor de teu olho esquerdo foi muito sério para que eu consertasse. O dano pode ser reparado, mas apenas por equipamento mais sofisticado do que está a minha disposição aqui.” O robô fez uma série de clics e então perguntou, “O que aconteceu contigo?”

Dark Force se alterou inconfortavelmente. “Isto não é do teu interesse.”

“Muito bem,” Betty disse. “Enquanto isso, eu fui capaz de modificar um simples dispositivo ótico que retornará tua visão a ti. Tu dissestes que não podes sentir o metal. Isso rodeará a órbita ocular. Sobre a área côncava estão as lentes óticas. Está conectada por um fio ao que eu identifiquei como teu nervo ótico. Existe uma possibilidade de falha, no entanto. Teus mecanismos internos são algo que eu nunca havia visto antes.”

Dark Force mudou novamente. “Muito bem. Quando eu poderei ver, assumindo que o aparelho funciona?”

“Em um momento…”

Houve então uma repentina e afiada aguilhoada profunda na cabeça de Dark Force. O que foi seguido por um clarão branco – o primeiro estímulo visual que o demônio sentiu em milênios – e então uma sensação não tão diferente de quando é necessário piscar para remover um cílio perdido no olho. A cada “piscada”, A visão de Dark Force se tornava cada vez mais clara e nítida até que, finalmente, Dark Force não estava mais sem visão.

A criatura profana suspirou quando ela olhou para o que restava de seu corpo. É decepcionante saber que você não é nada mais do que uma cabeça, um braço e um ombro.

“Podes ver?” Betty perguntou.

“Sim,” foi a resposta sussurrante.

Com isso, o pequeno robô se virou e se preparou para ajudar seus dois companheiros a administrar os primeiros socorros a Tirotul.

“Espere!” Dark Force disse em alta voz. Sua mão fria alcançou e agarrou o metal gelado.

O olho de Betty girou. Seu único olho fitava penetrante o olho que ela criara a alguns minutos, que brilhava num vermelho profundo.

“Tu não podes me deixar assim,” Dark Force disse. “Olhai a mim! Far-me-ás um novo braço pelo menos.”

Betty ficou parada por um momento e pensou nas alternativas. Ela olhou para Baltazar e Bartolomeu. Ambos tinham uma IA muito baixa; Eles eram pouco mais inteligentes que uma torradeira. Ainda assim eram os dois, com suas poderosas ferramentas mas mão incompetentes que estavam encarregados de Tiro. Betty estava com problemas. Sendo um robô simples, ela não tinha capacidades de empatia, o que significava que ela não podia sentir algo de verdade. Mas ela estava trabalhando com Tiro por tanto tempo que ela o tinha como amigo. Eles dividiam uma paixão pelo seu trabalho. É verdade. Betty apenas se importava sobre os hábitos das poucas criaturas nativas da região sub-geleira porque ela era programada para isso, mas um desejo feito pelo homem não é também um desejo? Era por essas razões que Betty desejava cuidar de Tiro, que permanecia inconsciente, enquanto Bartolomeu e Baltazar resolvessem as demandas da estranha criatura.

“Dr. Urbanich está machucado,” Betty disse ao monstro. “Meu propósito é ajudá-lo de qualquer modo. Meus deveres não terminam com cálculos completos e registros organizados.”

“Olhe aqui, você,” Dark Force sussurrou friamente. “Tu construirás meu braço ou eu findarei o que comecei a realizar com teu amigo.”

Betty ficou parada e não disse nada.

“Você diz que tua missão é ajudar teu amigo. Se isto for verdade, não me desobedeça.”

Betty enviou instruções a Bart e Bal no canal privado. “Aqui. Sigam essas instruções precisamente. Eu receio que o ferimento de Tiro pode se infectar. Ele tem sorte de não ter perdido mais sangue. Eu agradeço pela ação rápida.”

“O que você vai fazer sobre a criatura?” Baltazar perguntou.

“Eu não sei,” Betty disse. “Nós iremos satisfazê-la por enquanto. Eu enviarei instruções adicionais no desdobrar dos eventos.”

“Entendido,” Baltazar disse.

O canal privado se fechara.

“Muito bem,” Betty disse alto, voltando à mesa em que Dark Force se situava. “Começarei agora mesmo.”

O original em inglês desse texto pode ser encontrado em http://users.skynet.be/fa258499/beyondalgo/story/cr/cr2.html

fanworks/alem_de_algol/historias/recepcao_fria/recepcao_fria_002.txt · Última modificação: 2009/01/15 14:50 por orakio

Ferramentas da página