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— | fanworks:fanfictions:o_ultimo_adeus [2012/04/23 02:47] (atual) – criada orakio | ||
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+ | ====== O último adeus ====== | ||
+ | **Autor:** [[sbsakin@yahoo.com.br|Fernando Raffani]] | ||
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+ | Uma pequena garoa começou a cair próximo ao crepúsculo. As pequenas gotas eram intensas o suficiente para levantar a poeira que cobria o deserto rochoso. Poeira que a brisa carregava, formando uma fina cortina de areia na atmosfera. Desafiando esse ambiente hostil, encontrava-se um homem idoso, vestindo um manto com capuz, caminhando lentamente apoiado em uma bengala de madeira. Sua mão esquerda permanecia oculta dentro de seu manto. A periferia da pequena cidade estava vazia naquele horário; mesmo assim aquele homem insistia em continuar sua jornada solitária. Na sua frente jaziam algumas lapides de pedra, em sua maioria em processo avançado de erosão, ao serem submetidas às condições climáticas adversas da região por anos e anos, continuamente. Esse fato não preocupava o idoso, cuja barba branca era a única parte avistável de sua face, que estava protegida pelo capuz de seu mando, protegendo-a dos pequenos grãos de areia e das incômodas gotas de chuva. Ele já não conseguia mais ler as inscrições borradas nas lápides. Mesmo assim, ele parecia estar familiarizado com o cemitério e saber bem onde jazia o seu destino, uma vez que, apesar de avançar lentamente por causa de suas pernas fracas, ele não hesitou por nenhum momento. | ||
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+ | Parando em frente a uma das lápides mais erodidas, o homem tirou seu capuz. A cortina de poeira começou a ser dissipada pela fraca chuva, e as gotas de água não pareciam incomodá-lo. O dia havia sido bem quente, especialmente para alguém como ele, tão acostumado com um clima polar. Em silêncio, ele observava o túmulo. Não havia nenhuma inscrição visível remanescente. Provavelmente aquele túmulo não foi visitado durante muitos anos, ou talvez até décadas. Era de certa forma triste imaginar que ninguém se importava mais com a pessoa cujos restos mortais ocupavam aquele espaço, ninguém vinha sequer para prestar uma homenagem à pessoa falecida. As memórias se dissipam com o passar do tempo, e era grande a probabilidade que tanto a pessoa morta quanto o velho visitante seriam esquecidos para sempre em algumas décadas. | ||
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+ | O idoso tirou sua mão esquerda de dentro de seu manto e depositou um pequeno buquê de flores cuidadosamente ao lado da lápide. - Faz tanto tempo, minha querida... - Tentando conter uma lágrima que insistia em rolar de seus olhos, o homem permaneceu observando o túmulo em silêncio. Não havia nada a ser feito ou dito, e o silêncio era um sinal de respeito, e até mesmo adoração. Na solidão silenciosa do campo de pedras vazio, o homem encontrara a paz que ele necessitava para poder falar diretamente à alma de sua interlocutora falecida. Não haveria respostas, obviamente, mas dentro de seu coração, o idoso sentia como se pudesse ouvir as respostas de sua companheira há tanto tempo perdida. Além disso, em silêncio, a avalanche de emoções e recordações do passado era mais intenso. E apesar de sua idade avançada, e dos médicos recomendarem que ele evitasse ser submetido a experiências tão intensas pelo bem da saúde de seu coração, ele sentia que essa experiência carregada de sentimentos era necessária. Caso contrário, ele não teria vindo de tão longe apenas para depositar um pequeno buquê em um túmulo. O idoso sabia muito bem que atitudes exteriores não significavam nada, e ele não tinha nada a provar a quem quer que fosse. Seu único interesse era na pessoa com cuja alma ele estava tentando se comunicar. | ||
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+ | - Eu sinto como se tivesse acontecido ontem... - O idoso interrompeu sua própria observação antes que perdesse o controle e não pudesse conter as lágrimas. Assim que ele cerrou suas pálpebras, memórias de sua companheira valorosa tomaram de assalto sua mente, tão vívidas que fosse ele um tolo, teria as confundido com cenas reais se desenrolando em sua frente. Memórias de uma tenra idade, quando ele não passava de um mero adolescente, | ||
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+ | - Como eu desejei... que eu... pudesse voltar... - Não conseguindo mais resistir ao ímpeto de chorar, o idoso deixou as lágrimas rolarem de seus olhos, percorrendo as rugas de sua face, e umedecendo sua farta barba branca. Ele chorava em silêncio. Com os sentimentos endurecidos pelas experiências intensas de sua vida, suas reações eram sempre ponderadas, quase em um equilíbrio perfeito. | ||
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+ | Os anos se passaram e o próximo encontro dos dois se deu por acidente. Os sentimentos antigos, adormecidos em seu coração, voltaram com a força de uma tempestade violenta, como se sua alma tivesse sido incendiada. Dez anos mais velho, e agora um homem totalmente amadurecido, | ||
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+ | O próximo encontro... - Oh, o fatídico encontro... - Já era tarde demais. Quando eles se encontraram novamente, foi apenas a tempo de ouví-la dizer-lhe o último adeus. Foi apenas para deixá-lo ciente que ele nunca teria a oportunidade de viver seu sonho, que ele nunca visitaria o paraíso novamente. E ele viveria sempre atormentado, | ||
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+ | Acalmando-se, | ||
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+ | - Adeus, meu amor. Essa certamente será a última vez... - O homem velho suspirou profundamente. - Mas eu a levarei sempre em meu coração, até o dia em que o meu próprio coração parar de bater dentro do meu peito... - E, virando-se, carregando toda a tristeza do universo em seus ombros, acrescentou: | ||
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+ | Era hora de pensar em suas obrigações. Ele estava se preparando para a aposentadoria permanente, e chegou a hora de passar o bastão para a geração mais nova, como a posição de distinção que ele ocupava entre os humanos exigia, mantendo a herança de Lutz viva. Era hora de aceitar que sua hora havia chegado, e preparar-se para a única certeza da vida. Então, ele cobriu sua cabeça com o capuz novamente, apesar de não haver mais necessidade, | ||
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+ | Quando o idoso já estava distante o suficiente para que o túmulo fosse apenas uma mancha no horizonte, ele se virou e parou, observando o túmulo de sua amada pela última vez, pois sentiu a necessidade de acrescentar uma palavra final. - Se a Grande Luz for misericordiosa o suficiente, como a tradição diz, e nos abençoar com uma vida eterna após essa jornada mundana, eu espero que você ainda me ame da mesma forma que você costumava me amar. E que você possa me perdoar, para que nós possamos viver esse amor que não nos foi permitido viver nesse mundo. Eu sei que eu não mereço o seu amor, Alys, mas eu sei o que se passa dentro do meu coração, e ninguém mais no mundo merece mais do que você receber todo esse amor. E muito mais. |